Por Débora Lopes, publicado originalmente na revista Vice
Depois de descobrir que vários livros da coleção Baderna foram
apreendidos pela polícia entre pertences de ativistas após as Jornadas
de Junho, o editor Rogério de Campos não teve dúvidas e está prestes a
enaltecer o mundo da literatura subversiva de novo, republicando parte
da série. Quem inspirou essa retomada? “A polícia. Se está desagradando
os caras, tem uma razão.”
Originalmente lançada pela editora Conrad no
início dos anos 2000, a coleção traz publicações afiadas que falam sobre
resistência. Agora, parte delas sairá pela Veneta, a nova editora
capitaneada por Rogério. “Qualquer imbecil direitista arruma uma editora
pra publicar suas bobagens. O mercado da direita já é muito saturado.
Então, publicamos livros de esquerda”, explica.
Se é baderna, tem que chegar com o pé na
porta. E é isso que a Veneta vai fazer: começar pela galinha dos ovos de
ouro que não fez parte da coleção original. O livro A Revoada dos Galinhas-Verdes (1984),
de Fulvio Abramo, não tarda a sair do forno. O texto, publicado
originalmente em uma edição mimeografada do Centro de Estudos do
Movimento Operário Mario Pedrosa, em 1984, deve ter sua versão em livro
nas ruas ainda no mês de outubro, quando a histórica batalha que tomou a
Praça da Sé completa 80 anos. Na Revoada,
anarquistas, socialistas, comunistas, trotskistas e sindicalistas se
reuniam em São Paulo para se opor à Ação Integralista Brasileira,
partido de extrema-direita que se inspirava no movimento fascista
italiano e trazia como mentor Plínio Salgado.
Para Rogério, a união que formou a Frente
Única Antifascista foi um marco para a esquerda tupiniquim, que
costumeiramente brigava graças a ideologias distintas em detrimento de
um consenso. “Quando eles viram que os integralistas estavam repetindo o
mesmo caminho do que acontecia na Alemanha e na Itália por aqui – ou
seja, reacionarismo, ultranacionalismo e militarismo –, perceberam que
tinham um inimigo em comum”, frisa.
Armados com revólveres e até metralhadoras,
homens e mulheres antifascistas entraram em confronto com os
integralistas, que, vestindo uniformes verdes (daí o porquê de “revoada
dos galinhas-verdes”), prontamente fugiram. Seis pessoas morreram. Entre
as vítimas, cinco eram guardas civis e a sexta foi Décio Pinto de
Oliveira, militante comunista atingido por uma bala na cabeça enquanto
discursava.
Rogério fala dos “velhinhos de esquerda que
criticam os jovens de hoje” e lembra da cena que viu em junho do ano
passado na Avenida Paulista: direitistas enrolados em bandeiras do
Brasil cuspindo em uma garota do PSOL. “E foi naquele momento que
moleques mascarados anarquistas, os black blocs, entraram em defesa de
petista, de PSTU, de PSOL, de várias pessoas. Vi muita gente de esquerda
se juntando. Porque era necessário mesmo”, relata o editor.
O objetivo da editora Veneta é dar espaço aos autores de esquerda, mas a coleção Baderna alça
voos ainda mais distantes. “A ideia é ir além do pensamento dominante
da esquerda, sabe? Mostrar outras ideias, outros autores, pensamentos.
E, principalmente, mostrar novas maneiras de se organizar, novas
maneiras de atacar o capitalismo.”
Porém, nem todos os livros que integram a
coletânea serão relançados. A editora está retrabalhando algumas
publicações e estudando até novas traduções. Algumas ficaram datadas e
não serão disponibilizadas. O editor justifica: “Jovem tem saudade, mas
saudade também tem limites. Nostalgia, não. Estamos publicando na medida
em que seja útil, e não por nostalgia”. Entre os livros que serão
relançados, estão Provos, de Matteo Guarnaccia, Grouxo-marxismo, de Bob Black, e Situacionismo, da Internacional Situacionista.
Não resisto e, antes que a entrevista acabe,
pergunto a opinião de Rogério sobre o resultado parcial das eleições.
Ele relata certa angústia ao pensar no assunto e diz que, nessas horas,
só consegue lembrar de uma musiquinha de comercial: “Eu prefiro lanches
Mirabel…”.
Reproduzido sem autorização daqui.
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